Vamos imaginar que a economia está favorável, você tem um bom dinheiro guardado e pensou em usar parte para exercer uma atividade empresária. Além disso, não pretende atuar como um autônomo na informalidade.
Neste caso, em regra a pessoa física que pretende exercer atividade econômica poderá optar entre tipos jurídicos: Empresário Individual, Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) e Sociedade Limitada Unipessoal (SLU). Em todos esses há a necessidade de formalização do registro.
1. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
Sua primeira opção é ser Empresário Individual (art. 966, do Código Civil). Neste caso, o empresário realiza a atividade em nome próprio e os bens do empreendimento se confundem com seus bens pessoais, motivo pelo qual podem ser atingidos para pagamentos de débitos do seu negócio. Não há necessidade de investimento mínimo e não há criação de pessoa jurídica com patrimônio independente. No insucesso, o empresário poderá ter seus bens particulares alcançados para pagamento das dívidas mesmo que não afetados para a atividade. Por isso se diz que sua responsabilidade é direta e ilimitada. Um último ponto gera bastante dúvida: a inscrição no CNPJ (cadastro nacional de pessoas jurídicas) serve para fins de controle fiscal, não significando que o empresário individual seja pessoa jurídica. Afinal, somente a lei diz quem são, e este tipo jurídico não está elencado no rol das pessoas jurídicas do art. 44 do Código Civil.
Atente-se que o profissional que exerce atividade intelectual, em regra, não pode optar por ser empresário individual porque não realiza atividade econômica organizada segundo a lei (art. 966, parágrafo único, do Código Civil). Há exceções permitidas em leis especiais.
O Microempreendedor Individual (MEI) não é um tipo novo, mas uma forma de ser empresário individual para atividades de micro porte, com regras simplificadas (art. 968, § 4º, do Código Civil), com faturamento de até R$81.000 por ano, podendo contratar apenas 1 empregado e para atividades previstas na Resolução n. 140 do Comitê Gestor do Simples Nacional. É uma política pública que visa formalizar autônomos de forma simples, barata e rápida. Dependendo da atividade que você irá exercer e se atender a tais requisitos, poderá ser empresário individual nessa modalidade MEI.
As ME (microempresas) e EPP (empresa de pequeno porte) também não são tipos jurídicos, mas apenas qualificações de atividades de acordo com seu porte e faturamento do empresário individual, da EIRELI, e das sociedades empresárias ou simples (não empresárias), tudo com base na Lei Complementar nª 123 de 2006.
2. EIRELI
Também poderá optar pela Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI, inserida no Código Civil no art. 980-A em 2011.
Foi criada para evitar a abertura de sociedades limitadas de fachada em que havia apenas um sócio com 99% das cotas, e um outro com 1%, somente para formalizar uma sociedade já que esta possui proteção patrimonial, sendo, na prática, um empresário individual disfarçado de sociedade.
Embora também possa ser composta por uma pessoa (física ou jurídica), a EIRELI se distancia do empresário individual porque é pessoa jurídica (art. 44, VI, do Código Civil) e tem patrimônio distinto do seu titular, separado do patrimônio pessoal. Por isso, a responsabilidade é considerada limitada. Há a exigência legal de capital mínimo de 100 (cem) salários mínimos para ser constituída. A pessoa física somente pode ser titular de uma EIRELI, mas pessoas jurídicas podem titularizar mais de uma.
Foi proposta no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4637 contra a exigência de 100 (cem) salários mínimos de capital para constituição da EIRELI, mas foi julgada improcedente, por maioria, no final de 2020.
3. SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL
Por último, poderá criar uma Sociedade Limitada Unipessoal, inserida em 2019 no parágrafo primeiro do art. 1.052, do Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874 de 2019).
Não se trata de um novo tipo jurídico, mas apenas a possibilidade de a tradicional sociedade limitada ser constituída por apenas um sócio.
Em outras palavras, a inovação foi a possibilidade de se criar a sociedade limitada com 1 ou mais pessoas, e não mais com “2 ou mais pessoas”, mas ainda é a mesma sociedade limitada já existente.
Então, é uma pessoa jurídica, com separação patrimonial do sócio e com responsabilidade limitada. Veio para aprimorar a EIRELI ao possibilitar a formação com apenas um titular e sem a exigência de capital social mínimo.
4. QUAIS VANTAGENS E DESVANTAGENS DE CADA UMA? QUAL ESCOLHER?
O empresário individual deve cair em desuso por ser menos protetivo ao titular, salvo àquele que optar por ser Microempreendedor Individual (MEI), por ser uma solução barata e rápida para autônomos se formalizarem para atividades de microporte.
Igualmente, a partir de agora a EIRELI também deverá ser pouco registrada em razão da exigência de 100 (cem) salários mínimos de capital para constituição, o que não é exigido na Sociedade Limitada Unipessoal. Apesar disso, a EIRELI deve ser mantida no ordenamento jurídico para que as atuais não sejam obrigadas a gastar dinheiro com a transformação de um tipo jurídico em outra.
Doutrinadores como o professor André Santa Cruz defendem que a EIRELI possui uma vantagem sobre as Sociedade Limitada Unipessoal. Quando a EIRELI foi criada, foi pensada a exigência de um capital mínimo de 100 (cem) salários mínimos em contrapartida a uma maior proteção. O § 4º do art. 980-A do Código Civil previa uma maior blindagem que afastava a desconsideração da personalidade jurídica:
§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente. (VETADO)
Mas este parágrafo foi vetado sob pretexto de conflitar com a desconsideração da personalidade jurídica, provavelmente para evitar uma blindagem absoluta do patrimônio do titular. Isso fez com que a exigência dos 100 (cem) salários mínimos ficasse sem contrapartida e, então, não mais se justificaria a utilização de uma EIRELI pelo empreendedor.
Por outro lado, para tentar corrigir tal situação, a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874 de 2019) incluiu o § 7º no art. 980-A do Código Civil para tentar reviver a norma do § 4º, a fim de manter alguma justificativa atual para existência da EIRELI e seu capital mínimo. Mas, em vez de afastar completamente a desconsideração da personalidade jurídica – o que elevaria o risco de novo veto – a nova norma ressalvou os casos de fraude:
§ 7º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude.
O § 7º exige a ocorrência de fraude para afetação do patrimônio do titular da EIRELI. A priori, esse requisito é mais rigoroso que os da desconsideração da personalidade jurídica do art. 50 do Código Civil. Afinal, este último artigo prevê a desconsideração em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, o que é mais fácil de ocorrer do que a fraude.
Porém, essa diferenciação poderá ser afastada pelo judiciário caso compreenda que se trate da mesma situação e seja possível a desconsideração da personalidade tal qual prevista no art. 50 também para a EIRELI, o que faz com que alguma vantagem do instituto previsto art. 980-A se desfaleça, sendo a intenção do legislador ignorada.
Neste caso, aparentemente a Sociedade Limitada Unipessoal sempre será mais vantajosa que a EIRELI.
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